O uso do FGTS para custeio de tratamento de fertilização in vitro é um tema que vem ganhando espaço na jurisprudência e revela a evolução do direito à saúde, à família e à dignidade humana frente à rigidez da legislação. Embora a Lei nº 8.036/1990 não traga previsão expressa para essa hipótese, a interpretação constitucional e social da norma tem garantido às mulheres o direito de utilizar os próprios recursos para custear o sonho da maternidade.
O art. 20 da Lei nº 8.036/90 lista as situações em que o trabalhador pode movimentar o saldo de sua conta do FGTS. Entre elas, estão doenças graves como neoplasia maligna, AIDS e doença terminal.
Em leitura literal, a infertilidade ou alterações no sistema reprodutor não aparecem nesse rol. Contudo, a jurisprudência tem reconhecido que esse elenco é exemplificativo, e não taxativo. Assim, o juiz pode autorizar o saque quando o caso concreto demonstrar que os valores serão aplicados em tratamento médico essencial à saúde e à qualidade de vida da pessoa.
O FGTS e sua função social
Criado como uma poupança de proteção ao trabalhador, o fundo tem também caráter humanitário e social, permitindo o uso em situações de necessidade — como desemprego, doença grave ou aquisição da moradia. Negar o saque para quem busca um tratamento médico essencial à realização pessoal e à constituição de família seria contrariar a finalidade social do FGTS.
A infertilidade é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma condição clínica que afeta a saúde física e emocional. Em muitos casos, o tratamento por reprodução assistida é a única forma de viabilizar a gravidez, mas seu alto custo o torna inacessível para a maioria das pessoas.
Diversos juízes e tribunais vêm decidindo que impedir o saque do FGTS nessa hipótese viola princípios constitucionais como:
A leitura moderna do art. 20 da Lei nº 8.036/90, portanto, deve ser conforme a Constituição, permitindo o uso do FGTS em tratamentos que assegurem bem-estar, integridade física e emocional — valores indissociáveis da dignidade humana.
Tanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) consolidaram o entendimento de que o rol legal é exemplificativo e que o saque é possível em casos justificados.
O STJ já afirmou que o objetivo do FGTS é garantir ao trabalhador o direito a uma poupança da qual ele possa lançar mão em situações difíceis.
A Turma Nacional de Uniformização (TNU) e o TRF4 reforçaram que a reprodução assistida se enquadra na finalidade social do fundo e na tutela constitucional da família e da dignidade da pessoa humana.
Em casos concretos, decisões têm reconhecido o direito de mulheres com infertilidade primária ou baixa reserva ovariana utilizarem o saldo de suas contas de FGTS para custear o tratamento de fertilização in vitro, destacando que o impedimento da gravidez é situação que afeta diretamente a saúde e o equilíbrio psíquico da paciente.
A aplicação literal do art. 20 da Lei do FGTS levaria a situações de injustiça: o trabalhador pode sacar o fundo para comprar imóvel, mas não para custear um tratamento médico que visa garantir sua saúde reprodutiva.
Por isso, o Judiciário tem adotado uma interpretação teleológica e constitucional, ampliando o alcance da norma para contemplar situações que, embora não previstas, atendem aos fins sociais da lei e ao bem comum, conforme orienta o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
O raciocínio é claro: se a lei permite o saque em doenças graves, deve também permitir quando o tratamento é indispensável para preservar a saúde física e mental — e, nesse contexto, a infertilidade se insere como condição que exige atenção médica e apoio estatal.
As decisões que autorizam o saque do FGTS para fertilização in vitro costumam se apoiar em três pilares:
O saque, em regra, é autorizado após o trânsito em julgado da decisão, com expedição de alvará judicial para a Caixa Econômica Federal liberar os valores.
A utilização do FGTS para custeio de fertilização in vitro é compatível com a Constituição Federal e com a finalidade social do fundo. O rol do art. 20 da Lei nº 8.036/90 é exemplificativo, permitindo interpretação que favoreça a vida, a saúde e a dignidade.
Negar o acesso aos recursos do próprio trabalhador para custear um tratamento médico essencial seria contrariar o princípio da dignidade humana e da proteção à família.
A jurisprudência vem consolidando a ideia de que, nas situações em que o tratamento de reprodução assistida é indicado por razões médicas, o saque deve ser permitido. Assim, o FGTS para fertilização in vitro se torna não apenas uma medida de justiça individual, mas também um reconhecimento do valor constitucional da maternidade, da saúde e da autonomia reprodutiva.
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