Programa Mais Médicos e Judicialização: Principais Controvérsias

O Programa Mais Médicos foi recentemente retomado e reformulado por meio da Lei nº 14.621, de 14 de julho de 2023, sancionada pelo presidente da República e fruto da conversão da Medida Provisória nº 1.165, que modificou a Lei nº 12.871/13 que instituiu originalmente o Programa. Essa nova legislação traz importantes mudanças para o Programa Mais Médicos, incluindo a criação da Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde, que tem como objetivo ampliar em 15 mil o número de médicos atuando na atenção básica do SUS, especialmente em áreas mais vulneráveis. Além disso, a lei também estabelece prioridade para a formação de profissionais com mestrado e especialização, bem como benefícios para aqueles que atuarem em locais de difícil provimento e o pagamento da dívida do FIES.

Em complemento, o Ministério da Saúde anunciou a abertura de novos editais para profissionais e para adesão de municípios ao Programa Mais Médicos. Esses editais trazem iniciativas inéditas, como a alocação de médicos para equipes de Consultório na Rua e para atendimento à população prisional, além da disponibilização de novas vagas nos territórios indígenas. Com essas medidas, estima-se que, até o final de 2023, o Programa Mais Médicos possa contar com um total de 15 mil novos médicos em todo o Brasil, totalizando 28 mil profissionais.

De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde, em março, logo após a retomada oficial do programa, foi lançado o primeiro edital com 5.968 vagas para reposição das posições que não foram preenchidas nos últimos anos. Dessas vagas, 45% estão localizadas em áreas de maior vulnerabilidade, sendo que mil delas foram destinadas à região da Amazônia Legal. O chamamento teve adesão de mais de 99% dos municípios, abrangendo um total de 1.994 cidades brasileiras. Atualmente, 3.620 profissionais estão atuando em todo o país, após o recorde de inscrições, que contou com a participação de 34 mil interessados, sendo mais de 57% de brasileiros formados no país. Além disso, outros 1.109 médicos selecionados em segunda chamada devem iniciar suas atividades em breve, enquanto mais 1.239 passarão pelo processo de acolhimento em agosto.

O Mais Médicos já há muito tempo tem despertado atenção e debates acalorados em diversos setores da sociedade e foi alvo de intensa judicialização em suas versões anteriores, nos últimos dez anos. Neste artigo, abordaremos algumas das principais controvérsias relacionadas ao Mais Médicos que chegaram aos tribunais federais.

 

Critérios de chamamento e preterição de médicos

Uma das questões submetidas, por exemplo, ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região está relacionada à alegada preterição de médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras no âmbito do Programa Mais Médicos. Houve questionamento sobre a observância da ordem de prioridade estabelecida na Lei 12.871/13. 

No entanto, o Tribunal entendeu que não há violação à ordem de preferência ao publicar um edital direcionado a uma classe específica. Esse entendimento foi reforçado por precedentes no sentido de que o legislador não determinou a obrigatoriedade de oferta simultânea de vagas aos médicos brasileiros, médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras e médicos estrangeiros. Existe apenas uma ordem de prioridade a ser seguida, de acordo com a necessidade da administração. Portanto, a publicação de um edital direcionado a uma classe específica não viola a ordem de preferência estabelecida.

 

Exigências de desempenho acadêmico

Outra controvérsia refere-se à exigência de desempenho acadêmico no Programa Mais Médicos. Em um caso específico, foi questionado o cancelamento de uma bolsa de estudos integral concedida a uma médica por ter sido reprovada em uma disciplina. Alegou-se que a exigência de 100% de aprovação nos componentes curriculares do curso de Medicina carece de amparo legal.

Embora as bolsas de estudo sejam concedidas com base em critérios socioeconômicos, a imposição de condições diversas não se mostra razoável nem atende ao interesse público do programa. Cancelar a bolsa impede a conclusão do curso e, consequentemente, o acesso à profissão. Em situações semelhantes, os tribunais têm acolhido o afastamento da regra que determina o cancelamento da bolsa, considerando o princípio da razoabilidade e a garantia do acesso à educação.

Em sentido diverso, já se decidiu que, se oferecidas ao médico oportunidades para concluir a especialização, mas este não conseguiu alcançar a nota mínima necessária para aprovação, a exclusão do programa é válida, contanto que tenha, também, tido a oportunidade de exercer o contraditório e a ampla defesa, conforme estabelecido pelo art. 28 da Portaria Interministerial nº 1.369, de 08 de julho de 2013 (atualmente revogada pela 

Portaria Interministerial MS/MEC nº 604, de 16 de maio de 2023). Em caso específico, houve notificação do médico por e-mail sobre a reprovação na especialização e foi concedido a ele um prazo de 05 (cinco) dias para manifestação.

 

A relação médico/habitante como barreira de admissão ao Programa

A controvérsia em discussão diz respeito à admissão de médicos formados em instituições estrangeiras no Programa Mais Médicos, mesmo que o país onde se graduaram não atenda à estatística médico/habitante estabelecida pela Organização Mundial de Saúde. Médicos formados em instituições de ensino superior estrangeiras, mesmo residindo no Brasil e não exercendo a profissão no país onde se graduaram, enfrentaram dificuldades para admissão no programa.

O entendimento jurisprudencial é que a exigência de relação médico/habitante é aplicada tanto a brasileiros quanto a estrangeiros residentes no País. Portanto, médicos formados em instituições de ensino estrangeiras precisam atender a esse critério para participar do programa, mesmo que residam no Brasil e não exerçam a profissão em seu país de formação.

 

Problemas no sistema na hora de escolher a vaga

Houve casos envolvendo problemas de acesso à página oficial do Programa Mais Médicos, o que impossibilitou a realização das operações necessárias para a escolha de vagas e municípios atendidos. Por exemplo, essa situação levou médicos a buscarem o Poder Judiciário para garantir sua participação no programa.

Os tribunais, no geral, acolheram tais pedidos, considerando a prova documental no sentido de que a página oficial do Programa Mais Médicos não funcionou corretamente durante o prazo de escolha dos municípios. Entenderam que a instabilidade do sistema, devidamente comprovada, não pode prejudicar os candidatos. Problemas técnicos alheios à vontade dos participantes não devem ser imputados a eles, especialmente quando cumprem os requisitos legais para participar do programa.

 

A remoção e transferência dos médicos participantes

Outra controvérsia referia-se à remoção, isto é, transferência voluntária dos médicos participantes do Programa Mais Médicos, de um Município, onde inscritos, para outro de sua escolha, em geral para regressar ao local onde seus familiares vivem. A Coordenação Nacional do programa pode negar tais pedidos com base em critérios justos e razoáveis, como a ordem de escolha dos candidatos e o objetivo de diminuir a carência de médicos em regiões prioritárias para o SUS.

No entanto, a ausência de normas específicas e objetivas para disciplinar as situações excepcionais relacionadas à remoção e transferência tem levado a jurisprudência a aplicação analógica da Lei nº 8.112/90 – Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. 

 

O decurso do tempo e a situação de fato consolidada

Muitos casos envolvendo as situações acima acabaram julgados em desfavor dos médicos em virtude do decurso do tempo entre o ajuizamento e as decisões. Como o Programa estabelecia um prazo máximo de permanência de 36 meses, pedidos judiciais de inscrição, readmissão e remoção foram rejeitados por ser ocorrido situação de fato consolidada durante o processo, não mais havendo tempo de entregar aos autores um provimento jurisdicional útil.

 

Conclusão

Em conclusão, o Programa Mais Médicos, desde suas versões anteriores, que se iniciaram há dez anos, tem sido marcado por diversas controvérsias que chegam aos tribunais federais. As decisões judiciais têm buscado equilibrar os interesses envolvidos, considerando as necessidades do sistema de saúde e os direitos dos médicos. É fundamental que o programa seja constantemente avaliado e aprimorado, garantindo assim a melhoria do atendimento à saúde no país.

Se você é médico ou médica, não hesite em contatar um escritório de advocacia especializado, para tirar suas dúvidas sobre os desafios jurídicos associados à participação no Programa Mais Médicos.

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