Médica Contratada com Cotas em Sociedade: Os Riscos de Não Ter a Proteção do INSS

Quando uma médica ou médico aceita ser contratado recebendo cotas de uma empresa médica, uma das decisões mais relevantes está relacionada à remuneração. Muitas vezes, acabam por não receber pró-labore e toda sua remuneração consistirá em participar da distribuição de lucros. No entanto, essa prática pode trazer implicações previdenciárias e fiscais significativas. Este artigo analisa os problemas associados à ausência de pró-labore e oferece alternativas para mitigá-los, garantindo a segurança jurídica e previdenciária da médica ou médico contratado como sócio cotista de empresa controlada por outras pessoas.

 

O que é o pró labore e qual a sua importância?

O pró-labore é a remuneração paga aos sócios da empresa que exercerem funções administrativas ou operacionais na sociedade. Ele está sujeito à tributação pelo IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física) e ao recolhimento de INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Diferentemente da distribuição de lucros, o pró-labore gera contribuições previdenciárias e integra o tempo de contribuição necessário para benefícios como aposentadoria e auxílio-doença.

Quando uma médica sócia cotista opta por não receber pró-labore ou esta opção sequer lhe é dada, porque a gestão da sociedade fica a cargo de um ou dois sócios que detêm quase todo o capital social, pode ficar sem recolhimento regular ao INSS, o que impacta negativamente sua segurança previdenciária a curto e longo prazo.

 

Problemas gerados pela falta de contribuições previdenciárias

  1. Ausência de Qualidade de Segurada

Sem contribuições regulares ao INSS, a médica sócia cotista perde a qualidade de segurada, o que significa que:

  • Benefícios previdenciários são negados: A médica pode ficar sem acesso a aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade ou pensão por morte para seus dependentes.
  • Perda da carência: Alguns benefícios exigem um número mínimo de contribuições consecutivas (carência). A interrupção no recolhimento inviabiliza o acesso a esses direitos.

Por exemplo, para ter direito ao auxílio-doença, são necessárias pelo menos 12 contribuições mensais.

  1. Dificuldade em Regularizar Situação

Se a médica decidir, no futuro, regularizar períodos de ausência de contribuição, enfrentará desafios como:

  • Contribuições Retroativas: Será necessário comprovar que a médica desempenhava atividades remuneradas durante o período e arcar com valores retroativos, acrescidos de juros e multa.
  • Recolhimento Complementar: A médica pode optar por recolher como contribuinte individual (código 1007 no INSS). No entanto, essa modalidade implica uma alíquota de 20% sobre um valor entre o salário-mínimo e o teto previdenciário, sem a participação da empresa médica na contribuição patronal.
  1. Impactos na Aposentadoria

A falta de recolhimentos regulares também afeta diretamente a aposentadoria da médica:

  • Redução do Tempo de Contribuição: Períodos sem contribuição não contam para o tempo mínimo exigido para aposentadoria, aumentando o tempo necessário para atingir o benefício.
  • Impacto no Valor do Benefício: A ausência de contribuições reduz a média salarial utilizada no cálculo da aposentadoria, resultando em um benefício menor.

Riscos Trabalhistas e Fiscais

  1. Caráter Disfarçado de Vínculo de Emprego

Se a médica sócia cotista desempenhar atividades regulares na sociedade, mas receber apenas lucros, há o risco de que o vínculo seja reclassificado pela Justiça do Trabalho como uma relação de emprego. Isso pode ocorrer caso sejam constatados elementos como:

  • Subordinação: Se a médica estiver sujeita a ordens e regras fixadas pela sociedade.
  • Habitualidade: Se a atividade for exercida de forma contínua.
  • Onerosidade: Mesmo que remunerada indiretamente por lucros, a Justiça pode considerar essa prática uma forma de mascarar um vínculo empregatício.
  1. Fiscalização pela Receita Federal

A Receita Federal pode interpretar a ausência de pró-labore como tentativa de evasão fiscal. Nesse caso, a Receita poderá:

  • Reclassificar parte dos lucros como pró-labore, exigindo o recolhimento retroativo de INSS e IRPF.
  • Aplicar multas e exigir a regularização da situação fiscal da médica e da sociedade.

 

Alternativas para mitigar os problemas

  1. Contribuir como Contribuinte Individual

A médica sócia cotista de uma empresa médica pode optar por recolher o INSS de forma autônoma, utilizando o código 1007. As características dessa modalidade incluem:

  • Alíquota de 20%: Incide sobre o valor escolhido, entre o salário-mínimo e o teto previdenciário.
  • Proteção Previdenciária: Garante acesso aos benefícios do INSS, mesmo sem o recebimento de pró-labore.

Embora seja uma alternativa viável, essa modalidade é menos vantajosa em termos financeiros, pois a contribuição patronal de 20% não é feita pela sociedade.

  1. Formalizar o Pró-Labore

A médica pode negociar com a sociedade para receber um pró-labore regular, mesmo que seja de valor reduzido. Essa prática oferece:

  • Cobertura Previdenciária: Garantia de acesso aos benefícios do INSS.
  • Conformidade Fiscal: Reduz o risco de fiscalização ou questionamentos por parte da Receita Federal e da Justiça do Trabalho.
  1. Contratar Previdência Privada

Como alternativa ou complemento à previdência pública, a médica pode investir em um plano de previdência privada. Entre os benefícios, destacam-se:

  • Flexibilidade: Possibilidade de escolher contribuições e benefícios de acordo com seus objetivos financeiros.
  • Proteção Adicional: Reduz a dependência exclusiva da previdência pública.

 

Considerações Finais

A ausência de pró-labore e de contribuições regulares ao INSS pode gerar uma série de problemas para médicas sócias cotistas em sociedades formadas por médicos para prestação de serviços a hospitais ou pacientes, comprometendo sua segurança previdenciária e gerando riscos fiscais e trabalhistas. Para evitar esses problemas, é fundamental:

  • Planejar contribuições previdenciárias regulares, seja por meio do pró-labore ou como contribuinte individual.
  • Garantir conformidade fiscal e previdenciária, minimizando riscos de fiscalização ou reclassificação do vínculo.
  • Buscar alternativas complementares, como previdência privada, para aumentar a proteção no longo prazo.

Recomenda-se que as médicas e médicos consultem especialistas em direito médico para avaliar a melhor estratégia, garantindo uma proteção sólida para o presente e o futuro. A prevenção é sempre o melhor caminho para evitar problemas jurídicos e financeiros.

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