Furto de veículo em estacionamento: quando há (ou não) dever de indenizar por danos morais

Casos de furto de veículo em estacionamento continuam a gerar discussões jurídicas relevantes, especialmente sobre os limites da responsabilidade civil do estabelecimento e a possibilidade de indenização por danos morais. O acórdão em análise ilustra bem essa distinção, mostrando que nem toda falha contratual resulta em ofensa à dignidade do consumidor.

 

1) O caso concreto

O autor ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais após ter o carro furtado no estacionamento de um shopping center. O veículo foi localizado dias depois, depenado e danificado. O consumidor pediu o ressarcimento de valores relativos à franquia do seguro e à locação de outro veículo, além de indenização de R$ 50.000,00 por danos morais.

O réu alegou que o furto foi fato imprevisível e que não houve negligência na guarda, destacando que o estacionamento era gratuito e, portanto, mera cortesia. O juízo de primeiro grau reconheceu parcialmente o pedido, condenando o réu a ressarcir os gastos com a locação de outro automóvel (R$ 1.648,23), mas negando a indenização moral.

Inconformado, o autor apelou, insistindo na condenação por dano moral e no reembolso da franquia do seguro.

 

2) Danos materiais: necessidade de prova efetiva

O Tribunal manteve a sentença, observando que não houve comprovação do pagamento da franquia do seguro. As notas fiscais apresentadas referiam-se a reparos e substituição de peças — não ao valor pago a título de franquia.

Conforme a jurisprudência consolidada, o dano material exige prova cabal do desembolso. Sem essa demonstração, o pedido não pode prosperar.

Além disso, o acórdão ressaltou que o shopping já havia arcado com os custos do conserto e com a indenização pela locação de veículo, atendendo à reparação patrimonial devida.

 

3) Danos morais e o limite entre o aborrecimento e a violação da dignidade

O ponto central do julgamento foi a negativa de indenização por danos morais. Para o Tribunal, o furto do veículo, ainda que gere aborrecimento, não alcançou o patamar de sofrimento capaz de violar os direitos da personalidade.

Citando lição clássica de Sérgio Cavalieri Filho, o acórdão reforçou que o dano moral não decorre do simples ilícito contratual, mas da repercussão do fato sobre a dignidade da vítima. Assim, “o mero inadimplemento contratual, mora ou prejuízo econômico não configuram, por si sós, dano moral, porque não agridem a dignidade humana”.

No caso, o autor teve seus prejuízos materiais ressarcidos e não demonstrou consequências psicológicas ou constrangimentos que extrapolassem o incômodo comum à situação.

 

4) A natureza jurídica do estacionamento gratuito

Um ponto relevante do acórdão foi o destaque de que o estacionamento era gratuito, funcionando apenas como uma comodidade aos clientes e não como serviço contratado mediante remuneração.

Essa característica afasta, em parte, o dever de guarda equiparado ao contrato oneroso de depósito, que pressupõe contraprestação financeira. Ainda assim, a jurisprudência majoritária reconhece que mesmo o estacionamento gratuito gera responsabilidade objetiva do fornecedor, com base na teoria do risco da atividade e na Súmula 130 do STJ (“A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”).

Contudo, essa responsabilidade não se estende automaticamente ao dano moral, que depende da análise concreta da repercussão do fato.

 

5) O entendimento consolidado dos tribunais

Os tribunais brasileiros têm adotado posição semelhante: o furto de veículo em estacionamento, por si só, não gera dano moral automático. Apenas em hipóteses excepcionais — como situações de humilhação pública, coação, violência ou abalo comprovado à honra — é que a indenização extrapatrimonial é reconhecida.

O simples desconforto, perda de tempo ou contratempo no uso do bem não basta para configurar dano moral, sendo tais efeitos absorvidos pela indenização material.

 

6) Conclusão

O caso reafirma uma diretriz essencial do direito civil contemporâneo: o dano moral não se presume pelo descumprimento contratual, mas exige demonstração concreta de lesão à esfera da dignidade humana.

Assim, embora o estabelecimento responda objetivamente pelo furto de veículo ocorrido em seu estacionamento, a indenização moral só é devida quando o fato gera sofrimento, humilhação ou angústia que ultrapassem o mero aborrecimento.

Em síntese, o acórdão reforça o equilíbrio entre a proteção do consumidor e o limite da responsabilidade civil, evitando a banalização do dano moral e preservando sua natureza reparatória.

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