FGTS e rescisão indireta no futebol: o que a Justiça do Trabalho decidiu

O contrato de trabalho do atleta de futebol tem particularidades que o diferenciam de qualquer outra relação laboral. Por envolver o chamado vínculo desportivo, o jogador não pode atuar por outro clube enquanto o contrato vigente não for formalmente encerrado no sistema da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Foi justamente essa peculiaridade que motivou recente decisão da Justiça do Trabalho, em que um atleta pleiteou a rescisão indireta do contrato por ausência reiterada de depósitos de FGTS. O caso revela não apenas a importância do cumprimento das obrigações trabalhistas pelos clubes, mas também como a legislação desportiva e a jurisprudência trabalhista se entrelaçam para proteger o direito do jogador.

 

A falta de FGTS e a justa causa do empregador

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 483, alínea “d”, permite que o empregado considere rescindido o contrato e pleiteie as mesmas verbas de uma dispensa sem justa causa quando o empregador descumpre obrigações contratuais.

O Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento vinculante sobre o tema no Incidente de Recurso de Revista Repetitivo (IRR-70), segundo o qual “a ausência ou irregularidade no recolhimento dos depósitos de FGTS caracteriza descumprimento de obrigação contratual suficiente para configurar a rescisão indireta do contrato de trabalho”.

Em outras palavras, a falta de recolhimento habitual do FGTS autoriza a rescisão indireta do contrato do atleta profissional.

 

A aplicação da Lei Geral do Esporte

A nova Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023) reforça essa proteção no âmbito desportivo. Seu artigo 90 dispõe que o vínculo de emprego e o vínculo desportivo do atleta cessam automaticamente com o inadimplemento salarial, a rescisão indireta ou a mora contumaz no pagamento do FGTS.

Dessa forma, quando o clube deixa de cumprir de maneira reiterada as obrigações de depósito, a ruptura contratual é consequência natural da violação legal. Além disso, essa falta não apenas viola a legislação trabalhista, mas também impede o atleta de exercer sua profissão, já que o contrato ativo o vincula exclusivamente à entidade empregadora.

Portanto, a falta de recolhimento habitual do FGTS autoriza a rescisão indireta do contrato do atleta profissional.

 

A urgência da liberação no BID

O caso analisado evidenciou uma situação típica no futebol: o jogador, impedido de atuar por outro clube enquanto seu contrato permanecia ativo no Boletim Informativo Diário (BID), buscava na Justiça a baixa imediata do vínculo.

O juiz reconheceu que, ao contrário de outros trabalhadores, o atleta não pode simplesmente celebrar novo contrato de trabalho enquanto o vínculo anterior não for formalmente encerrado. Assim, a manutenção indevida do registro o impedia de exercer a profissão e obter nova colocação, caracterizando risco concreto à sua atividade econômica e à própria subsistência.

Com base nisso, foi concedida tutela de evidência, reconhecendo de forma provisória a rescisão indireta e determinando à CBF que efetuasse a baixa do vínculo no prazo de cinco dias, sob pena de multa diária.

Mais uma vez, reafirmou-se que a falta de recolhimento habitual do FGTS autoriza a rescisão indireta do contrato do atleta profissional.

 

O papel da tutela de evidência

A decisão é relevante também sob o aspecto processual. O magistrado aplicou o artigo 311, inciso II, do Código de Processo Civil, que permite a concessão da tutela de evidência quando as alegações são comprovadas documentalmente e há tese firmada em precedentes vinculantes.

Como o TST já havia consolidado o entendimento de que o não recolhimento do FGTS autoriza a rescisão indireta, o juiz considerou presentes os requisitos legais para a medida imediata, sem necessidade de aguardar o julgamento final.

Essa interpretação prestigia a efetividade da tutela jurisdicional, especialmente em relações de trabalho que exigem resposta rápida, como ocorre no futebol profissional.

 

Conclusão

A decisão reafirma o compromisso da Justiça do Trabalho com a proteção da dignidade do atleta profissional, reconhecendo que o descumprimento reiterado das obrigações legais, como o FGTS, constitui justa causa do empregador e legitima a ruptura contratual.

Além disso, demonstra sensibilidade às especificidades do esporte, garantindo que o jogador não fique paralisado em razão de condutas ilícitas do clube.

Ao aplicar a tutela de evidência, o juiz assegurou o direito de o atleta continuar exercendo sua profissão, sem que a inércia patronal o impedisse de competir e trabalhar.

Em síntese, a falta de recolhimento habitual do FGTS autoriza a rescisão indireta do contrato do atleta profissional.

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