Erros Médicos e a Perda de uma Chance: Análise de Caso de Falecimento por Diagnóstico Tardio de Leptospirose

O caso em questão ilustra o impacto do diagnóstico inadequado no atendimento médico e como ele pode comprometer a saúde do paciente, levando até mesmo à perda de uma vida. Quando falamos sobre a teoria da perda de uma chance, destacamos uma situação em que o atendimento médico poderia ter alterado o curso da doença. Aqui, a história trágica de um adolescente de 16 anos, cujos sintomas de leptospirose foram inicialmente diagnosticados de maneira incorreta, serve como base para discutirmos o direito dos pacientes ao atendimento adequado.

 

Histórico do Caso e Diagnóstico Inadequado

No dia em que foi atendido, o jovem apresentava dores intensas na cabeça e abdômen, febre, náuseas e sudorese. Esses sintomas foram, em um primeiro momento, avaliados por um médico plantonista que optou por prescrever medicamentos básicos, como analgésicos e polivitamínicos. O tratamento sugerido não foi suficiente para conter a infecção grave que acometia o paciente, e apenas a dor de cabeça e a febre foram minimamente controladas. Em três dias, diante da piora no quadro, a família decidiu levá-lo ao Hospital Santa Marcelina, onde finalmente foi diagnosticada a leptospirose.

Esse erro de diagnóstico inicial foi um fator crucial na progressão da doença. A falta de exames básicos que poderiam ter auxiliado no diagnóstico, como hemocultura ou outros exames de sangue, e a falta de uma anamnese completa sobre os fatores de risco — como o contato com ambientes insalubres — limitaram a capacidade do médico de reconhecer a leptospirose desde o início. A ausência de questionamentos sobre a convivência do adolescente com ratos ou enchentes também privou o médico de informações essenciais para considerar essa hipótese de infecção.

 

A Teoria da Perda de uma Chance no Contexto Médico

A teoria da perda de uma chance aplica-se quando um paciente é privado da possibilidade de cura ou melhoria da condição de saúde devido a uma falha no atendimento médico. No caso deste adolescente, o diagnóstico tardio comprometeu a chance de que o tratamento para a leptospirose tivesse sido iniciado antes. Embora a causa da morte esteja diretamente ligada à doença, a omissão e a falta de um diagnóstico preciso no primeiro atendimento impediu uma intervenção que poderia ter alterado o curso da enfermidade.

O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu essa teoria em casos de falhas médicas, ressaltando que a responsabilidade civil se aplica quando a ação ou omissão médica reduz as chances de cura ou sobrevida do paciente. Nesse sentido, o que se perde é a possibilidade de um tratamento mais eficaz e não, necessariamente, a vida do paciente em si. No entanto, quando essa chance perdida é substancial, os responsáveis pelo atendimento inicial inadequado podem ser responsabilizados.

 

A Falta de Documentação e o Impacto na Perícia

Outro ponto de destaque neste caso foi a ausência da documentação do atendimento inicial no pronto socorro municipal, que dificultou a avaliação pericial posterior sobre a adequação do atendimento prestado. O prontuário, essencial para que se pudesse verificar os sinais e sintomas registrados e o protocolo seguido, não foi anexado ao processo, prejudicando a análise da conduta médica. A ausência do prontuário evidencia uma desorganização nos serviços de saúde e contribuiu para tornar a perícia inconclusiva.

 

Responsabilidade Civil do Município e Dever de Indenizar

Diante de falhas no atendimento, incluindo a ausência de prontuário e o diagnóstico inadequado, a responsabilidade civil do município pode ser discutida, especialmente com base na perda de uma chance de cura para o adolescente. O Tribunal de Justiça considerou que, embora a leptospirose seja uma doença progressiva e de difícil diagnóstico inicial, os sintomas apresentados pelo jovem já deveriam ter motivado uma investigação mais aprofundada, com exames complementares. Em razão disso, é possível que o município tenha o dever de indenizar os pais pela perda da chance de que o filho pudesse ter uma intervenção médica mais eficaz.

A aplicação da teoria da perda de uma chance, neste caso, permite que a indenização seja concedida não pela morte em si, mas pela oportunidade de tratamento que foi frustrada. Dessa forma, a compensação se baseia na negligência de um atendimento adequado e na omissão de procedimentos médicos necessários para diagnosticar a leptospirose.

 

O Direito à Saúde e a Responsabilidade do Sistema Público

Este caso também revela uma questão importante: o direito à saúde é um direito fundamental assegurado pela Constituição, e o Estado tem a obrigação de garantir um atendimento adequado e completo à população. Quando essa obrigação não é cumprida, resultando na piora da condição de saúde do paciente, como no caso do adolescente, a responsabilidade civil pode ser imputada ao ente público.

Além disso, a falta de prontuários médicos representa um descumprimento de normas de segurança e responsabilidade no atendimento, limitando a transparência e a possibilidade de revisão de condutas médicas. A ausência de documentação é, por si só, uma falha que pode ser considerada como negligência na prestação do serviço de saúde, e a municipalidade deve ser responsabilizada por essas falhas organizacionais.

 

Conclusão

Casos como este, onde o atendimento inicial falhou em diagnosticar adequadamente uma doença potencialmente fatal, evidenciam a importância de um sistema de saúde bem-estruturado e diligente. A teoria da perda de uma chance, aplicada no contexto de erro médico, permite que a justiça atenda ao sofrimento das famílias que tiveram suas esperanças frustradas pela falta de um diagnóstico ou tratamento adequado. Embora o tratamento inicial inadequado não seja diretamente responsável pela leptospirose, ele foi um fator que contribuiu para que o paciente perdesse a oportunidade de um tratamento mais eficaz, configurando um dano que merece ser reparado.

A responsabilidade civil do Estado, portanto, se justifica como uma medida de justiça, que visa não apenas compensar a família pela perda irreparável, mas também alertar para a necessidade de um atendimento médico comprometido e documentado, principalmente nos serviços públicos de saúde.

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