No contexto dos contratos de plano de saúde, é comum surgirem situações em que a rescisão unilateral por parte da operadora de saúde entra em conflito com a necessidade de continuidade do tratamento do beneficiário. Esse conflito foi evidenciado no caso de um menor de idade que, após ter seu plano de saúde cancelado, buscou na Justiça a manutenção da cobertura em razão de sua delicada condição de saúde.
Neste caso, a relação estabelecida entre o beneficiário e a operadora do plano de saúde é claramente uma relação de consumo. Conforme a jurisprudência consolidada pela Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), "aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidade de autogestão". Dessa forma, a operadora é obrigada a observar as normas consumeristas, que buscam garantir a proteção ao consumidor em suas relações contratuais.
A questão gira em torno da tentativa do autor da ação de garantir a reativação de seu plano de saúde e a manutenção das condições contratuais, após o cancelamento unilateral realizado pela operadora. Importante notar que, em tese, a resilição (rescisão unilateral) do contrato não é abusiva ou ilegal por si só, uma vez que a legislação permite que a operadora, após o cumprimento de determinados requisitos, encerre o contrato de maneira unilateral.
A grande controvérsia do caso reside na existência de fatores que justifiquem a continuidade do tratamento, mesmo diante da rescisão unilateral. No caso concreto, o beneficiário, um menor de idade, sofria de uma condição de saúde grave (CID J95.5), que demandava tratamento domiciliar em regime de home care, conforme relatado nos autos e comprovado por relatórios médicos. Além disso, a necessidade de acompanhamento médico periódico, também comprovada nos autos, não foi contestada pela operadora do plano de saúde.
Diante disso, a rescisão unilateral do plano de saúde, em um momento em que o menor ainda estava em tratamento, configura uma violação às normas estabelecidas pela legislação e pela jurisprudência. O artigo 13, parágrafo único, inciso III, da Lei 9.656/98 é claro ao afirmar que "é vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato durante a ocorrência de internação do titular ou enquanto este estiver em tratamento de doença". Assim, o cancelamento do plano, enquanto o beneficiário ainda necessita de tratamento, vai contra a legislação vigente.
Neste contexto, a decisão judicial seguiu o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que em repetidos julgamentos vem assegurando que, mesmo após a rescisão do contrato, a operadora do plano de saúde tem a obrigação de garantir a continuidade do tratamento. Isso vale especialmente para casos em que o beneficiário está internado ou em pleno tratamento médico que assegura sua sobrevivência ou sua incolumidade física, conforme decidido no Tema 1.082 do STJ.
No caso concreto, o beneficiário do plano de saúde se encontrava em tratamento domiciliar contínuo, com acompanhamento médico prescrito e comprovado por relatórios médicos. Esse quadro foi decisivo para que a Justiça determinasse que a operadora mantivesse a cobertura do plano até que o tratamento necessário fosse finalizado, ou seja, até a alta médica do paciente. Vale ressaltar que o STJ é claro em afirmar que o direito à rescisão unilateral, ainda que legítimo, não pode prevalecer quando há risco à vida ou à saúde do beneficiário.
A jurisprudência reafirma que a operadora deve assegurar a continuidade do tratamento prescrito, inclusive nos casos em que o tratamento é garantidor da sobrevivência ou da integridade física do paciente. A interrupção abrupta de um tratamento essencial poderia acarretar danos irreparáveis ao beneficiário, situação essa que o ordenamento jurídico busca evitar, assegurando, por meio do princípio da função social do contrato, a proteção à saúde do contratante.
No caso em questão, além da obrigação de manter o plano de saúde ativo para garantir o tratamento do menor, a operadora também foi condenada a indenizar o autor pelos danos morais causados. O descumprimento do contrato de forma abusiva e em momento crítico da vida do beneficiário, que dependia de tratamento médico contínuo, gerou sofrimento psicológico não apenas pelo agravamento da sua condição de saúde, mas também pelo sentimento de abandono por parte da operadora.
A conduta da operadora, ao rescindir o contrato de forma unilateral e tentar cessar o tratamento de um menor que necessitava de cuidados contínuos, configurou um comportamento abusivo, ferindo os princípios do Código de Defesa do Consumidor. O STJ já firmou entendimento de que, em casos em que há aflição psíquica e emocional decorrente da conduta da operadora, cabe a reparação por danos morais, como forma de compensar os prejuízos sofridos pelo beneficiário.
Este caso concreto destaca um ponto crucial no debate sobre os planos de saúde: a rescisão unilateral, ainda que permitida por lei, não pode ocorrer sem que sejam observados os direitos fundamentais do consumidor, especialmente quando há risco à vida ou à integridade física. A legislação brasileira e a jurisprudência têm assegurado que, em situações de necessidade médica contínua, o tratamento não pode ser interrompido pela operadora, mesmo após o término do contrato. Isso é essencial para proteger os consumidores em situações de vulnerabilidade e garantir o cumprimento da função social dos contratos de plano de saúde.
Dessa forma, ao aplicar o entendimento da Lei nº 9.656/98 e do Tema 1.082 do STJ, a Justiça reafirma a importância de assegurar a continuidade do tratamento, protegendo, assim, a vida e a saúde dos beneficiários, principalmente em casos de extrema fragilidade.
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