A Interseção entre a LGPD e as Contribuições Sindicais:  Navegando por Águas Legais

 

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) tem sido um divisor de águas na forma como as organizações, incluindo sindicatos e empregadores, tratam os dados pessoais no Brasil. Ao mesmo tempo, a contribuição sindical, elemento vital na sustentação dos sindicatos, apresentam-se como um ponto de intersecção desafiador sob o prisma da LGPD. Este artigo visa elucidar o impacto da LGPD sobre as práticas de contribuição sindical, enfatizando a importância da transparência, do consentimento e da legitimidade no tratamento de dados pessoais de empregados.

 

1. LGPD: Um Novo Paradigma nas Relações de Trabalho

A LGPD estabelece diretrizes rigorosas para a coleta, o uso e o armazenamento de dados pessoais, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade dos indivíduos. No contexto trabalhista, isso implica revisão das práticas de gestão de dados dos empregados, especialmente no que tange à contribuição sindical.

 

2. Contribuições Sindicais e o Tratamento de Dados sob a LGPD

O tratamento de dados pessoais dos empregados para fins de contribuição sindical coloca em destaque a necessidade de consentimento explícito dos empregados, conforme preconiza a LGPD. Contudo, um aspecto menos discutido, mas de grande relevância, é a possibilidade de tratamento de dados pessoais com base no cumprimento de obrigação contratual ou no exercício regular de direitos em acordo ou convenção coletiva.

Se um acordo ou convenção coletiva estabelece claramente o desconto de contribuição sindical assistencial, com o fornecimento de dados pessoais dos empregados ao sindicato pelo empregador, o tratamento de dados pode ser considerado legítimo, amparado nas bases legais do cumprimento de obrigação contratual e exercício regular de direitos (art. 7º, II e VI da LGPD). Essa condição reforça a importância de uma redação clara e objetiva em acordos e convenções coletivas, assegurando a conformidade com a LGPD.

Além disso, os dados pessoais dos empregados que são fornecidos ao sindicato para fins da fiscalização do desconto, pelas empresas, da contribuição assistencial, são dados como nome, CPF, salário e cargo. Portanto, não se trata de dados pessoais sensíveis, como filiação sindical, que exigiriam maior rigor e consentimento explícito para o tratamento. O dado de filiação sindical deixa de ser necessário para o desconto da contribuição assistencial a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, no fim de 2023, que definiu o Tema nº 935 da Repercussão Geral. Agora, é legítimo o desconto da contribuição assistencial, mesmo de empregados não-filiados ao sindicato, contanto que assegurado o exercício do direito de oposição.

O Tema nº 935 é recente e ainda pede esclarecimentos sobre a forma de exercício do direito de oposição, a serem definidos pelo STF em breve. Todavia, a LGPD está em vigor e já existem inúmeros instrumentos de negociação coletiva entre sindicatos e entre estes e empresas, que preveem o desconto e repasse das contribuições e de dados pessoais de empregados.

 

3. Decisões Judiciais e a Aplicabilidade da LGPD

O Judiciário brasileiro tem enfrentado questões relacionadas à contribuição sindical à luz da LGPD. A jurisprudência recente sublinha a necessidade de proteger os direitos dos empregados, ao mesmo tempo em que se reconhece a validade das práticas sindicais, desde que haja clareza, transparência e aderência às normas da LGPD. Decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho dão razão aos sindicatos, em sua exigência de que as empresas forneçam relações nominais de empregados, quando não descontaram as contribuições, bastando que haja previsão em acordo ou convenção coletiva com a categoria econômica. Entidades sindicais vêm obtendo ganho de causa em ações trabalhistas de exibição de documentos em face de empresas.

 

4. Práticas Recomendadas para a Conformidade com a LGPD

Para garantir a conformidade com a LGPD, tanto sindicatos quanto empregadores devem adotar medidas que incluem:

  • Clareza em Acordos e Convenções Coletivas: Assegurar que qualquer disposição sobre contribuições sindicais e o tratamento de dados pessoais esteja explicitamente delineada, garantindo compreensão e transparência.
  • Segurança e Privacidade dos Dados: Implementar medidas de segurança robustas para proteger os dados pessoais dos empregados, em conformidade com as diretrizes da LGPD, assegurando que a finalidade do tratamento é o repasse ao sindicato das relações nominais de empregados e dos descontos efetuados, dados não-sensíveis, conforme previsto no acordo ou convenção coletiva.

Revisão Contínua das Práticas de Tratamento de Dados: Empregadores e sindicatos devem reavaliar periodicamente suas práticas de tratamento de dados, adaptando-se a eventuais mudanças na legislação e nas orientações da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

 

5. Conclusão

A interseção entre a LGPD e as contribuição sindical apresenta desafios únicos para empregadores e sindicatos. A chave para navegar por essas águas legais reside na aderência estrita às bases legais da LGPD, garantindo transparência e legitimidade no tratamento de dados pessoais. É fundamental que tanto o empregador quanto o sindicato estejam adequadamente assessorados e orientados por escritórios de advocacia especializados, garantindo não apenas a conformidade legal, mas também a proteção dos direitos dos empregados. A adoção dessas práticas não só fortalecerá a confiança entre todas as partes envolvidas, mas também assegurará uma gestão de dados responsável e segura no ambiente de trabalho.

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